As Árvores Também Se Abatem

(a pedido de várias famílias…)

A floresta laurisilva é provavelmente uma das maiores riquezas que Portugal tem. É considerada pela UNESCO como património da Humanidade e é considerada como o expoente máximo da biodiversidade.

A biodiversidade é, a vários níveis, uma coisa boa. No mundo das árvores representa aquilo que para nós os humanos entendemos como direito à diferença, tolerância, multiculturalismo, intercâmbio de ideias, riqueza de opiniões.

Curiosamente, no mundo das árvores, há elementos que combatem a biodiversidade: seja porque monopolizam todos os recursos existentes, devido ao seu tamanho, ou porque os monopolizam devido a um ataque concertado de clones, impedem o crescimento de outras espécies e por esse caminho eliminam a concorrência. São as versões vegetais dos autoritarismos de direita e de esquerda: ou manda um e mais ninguém, típico das ditaduras e das monarquias, ou então mandam todos desde que sejam todos iguais, reduzidos à mediania de simples clones, típico dos regimes comunistas.

A sã concorrência e a biodiversidade, no mundo das empresas e dos negócios, também é uma coisa boa. Desde o conceito de “creative destruction” de Schumpeter até estudos mais recentes, tem sido provado que existe uma forte relação entre a existência de um ambiente competitivo e a existência de um ambiente capaz de inovação.

Tudo isto vem a propósito da possibilidade de uma OPA hostil da Telefonica sobre a Portugal Telecom.

Muita gente sabe, mas para que fique claro, não gosto da PT. Nunca iria trabalhar para a PT, nem que me dessem o cargo do Zeinal Bava e me duplicassem o salário (nem ia para a M$ mesmo que me pagassem o dobro do Steve Ballmer). Tive oportunidade directa de ver o tipo de práticas concorrenciais da PT (e da M$) e da falta de ética das mesmas (há-de haver pessoas na Telepac que se lembrarão do caso Bertrand e do caso BFE). Mas eu gostar ou não, não vem ao caso.

É que, para além das guerras concorrenciais entre as empresas, há valores mais altos que se levantam. E a minha opinião, desde há muito tempo, é que a PT e a sua protecção por parte de sucessivos Governos, numa lógica de supostamente ser uma coisa estratégica para Portugal e de “uma PT grande e com escala“, tem sido um obstáculo à concorrência e à inovação em Portugal, e portanto um obstáculo à sua competitividade. A OPA demonstra isso mesmo: a PT vale mais do que a sua capitalização bolsista e portanto há alguem que não está a fazer direito o seu trabalho e que está a prejudicar os accionistas.

Que me desculpem algumas pessoas e alguns amigos que trabalham na PT, mas no geral a PT é um 2-em-1: é uma árvore enorme que seca os recursos à sua volta, ajudada por um exército de trabalhadores que são eucaliptos clonados. E se não são, tornam-se, são absorvidos pelo culto da mediania. A árvore grande e os eucaliptos não gostam de quem é diferente, de quem abana o barco. Não lhes dá jeito.

A compra da PT por parte da Telefónica pode alterar este panorama? Pode ajudar a tornar o país mais competitivo, mais inovador e mais atractivo para a criação de startups? Não. No curto prazo, não.

No curto prazo, é uma árvore maior. Que vai secar ainda mais recursos à sua volta. Que vai abrigar à sua sombra um grupo ainda maior de clones. Só que desta vez a normalização e a clonagem vai obrigar a que todos tenham de falar Espanhol. No curto prazo, por muito que doa prestar vassalagem a um qualquer nuestro hermano, os clones vão-se deixar ficar. E mesmo aqueles que não eram clones, que foram absorvidos, mas que têm aspirações a deixar de o ser, mesmo esses vão-se deixar ficar. No curto prazo.

No longo e no médio prazo o cenário pode ser diferente. Por várias razões. Numa primeira fase vão haver aqueles que se recusam a prestar vassalagem aos novos evil overlords. E que vão sair. Sabem que têm as capacidades para fazer melhor, mesmo que isso implique menos segurança salarial. Numa segunda fase, depois da inevitável reestruturação, vão sair aqueles que vão ficar lixados porque estavam à espera de subir na hierarquia, de cheirar mais de perto os perfumes do último andar onde pára o elevador, mas que na realidade são ultrapassados por um qualquer camarada do país ao lado, catapultado de lá equipado com um páraquedas, e passam a ter de cheirar outras coisas. Alguns desses irão procurar outros sitios com elevadores, outros resolverão fazer alguma coisa de jeito. Finalmente, numa terceira fase, haverá aqueles que não sairam antes, que se deixaram ficar à espera tempo demais, e que, na sequência da reestruturação, são recursos dispensáveis, a bem do aumento da eficiência e da eliminação de competências duplicadas. E são postos na rua, adeus e um queijo.

E aí sim, pode haver um contributo positivo para um ambiente de empreendedorismo e de inovação.

Lá fora, apesar da crise (ou se calhar por causa dela), a actividade em termos de empreendedorismo aumentou durante 2009. Diz-se que a necessidade é a mãe de todas invenções. As necessidades consequentes de um despedimento podem levar muita gente a apostar directamente no seu valor. Ou, se não for o caso disso, o despedimento vai lançar no mercado uma série de pessoas que com certeza darão melhores contributos numa empresa mais pequena, onde podem ser diferentes, onde a diferença é um factor que conta.

Se o Estado e o Governo Português querem contribuir para um país mais competitivo, para termos cidades mais atractivas e mais empreendedoras, o melhor que faz é deixar o mercado actuar. É não proteger a PT, como protegeu no fim dos anos 90, adiando a liberalização do mercado, o que custou a Portugal uns anos de atraso no desenvolvimento e implantação da Internet. Quem não se lembra do Eng Guterres em frente a um papel com um “@” a fazer caras inteligentes? Ou da tomada de assalto do domínio PT, só porque uns políticos queriam ter um gov.pt para serem como o Bill Clinton e estavam-se a marimbar para as regras da IETF.

Contas feitas e concluindo: a Telefonica pode ser uma espécie de um Ent tolkienesco, que absorve o bonsai PT e fica com uma colecção de eucaliptos à viver à sua volta.

Ao lado, pode florescer uma floresta laurisilva, pujante de variedade.

As árvores também se abatem.

3 comments

  1. Cruel, é um cenário provável, mas não deixa de ser assustador para aqueles que lá estão e não gostariam de se sujeitar a serem descartados pelos descendentes de Felipe II.

    Não aconteceu com a SONAE, talvez aconteça agora com a Telefonica.

    Mas concordo contigo, por um lado pode ser positivo para Portugal, uma vez que muitos gajos de valor estão ainda lá dentro a empurrar o barco dos outros (o da PT), quem sabe agora se convençam a empurrar o seu próprio barco, a sua startup, e isso realmente estimule a verdadeira inovação em Portugal. Não é para todos, mas tenho a certeza que há ali alguns que são gajos para isso.

    Nesse sentido, é minha impressão ou já estás todo contente a esfregar as mãos com a perspectiva de que alguns te vão bater à porta para obter capital de risco inicial para as eventuais startups?

    • >Nesse sentido, é minha impressão ou já estás todo contente a
      > esfregar as mãos com a perspectiva de que alguns te vão bater
      > à porta para obter capital de risco inicial para as eventuais
      > startups?
      >

      Bruxo….

      — MV

  2. Então n se tá a ver que estas opas é só para investidor ver.
    Isto é só para manter o PSI20 acima da linha da água pá, n gastem latim com isto, que os Beraldos e os Zapateros andam a ver se ajudam os bancos a vender as acções dos psis e ibex a preços de pato.