A Ilha de Gasta e a Ilha de Poupa

Porque é que um deficit é uma coisa má?

Para entender porquê, vamos fazer uma viagem a duas ilhas tropicais isoladas, de igual tamanho, ao lado uma da outra: Gasta e Poupa.

( Traduzido e adaptatado de http://is.gd/8wwNa )

A terra é o bem de capital nestas ilhas, e os seus habitantes são primitivos, necessitando apenas de produzir alimentos e consumi-los. Trabalhando oito horas por dia, cada habitante pode produzir alimentos suficientes para se sustentar a si mesmo. E por muito tempo foi assim. Em cada ilha, cada um trabalha as oito horas por dia, o que significa que cada sociedade é auto-suficiente.

Eventualmente, os habitantes de Poupa (os Poupadores) decidem fazer alguma poupança e investimento, e começam a trabalhar 16 horas por dia. Desta forma, eles continuam a produzir em oito horas de trabalho os alimentos que consomem, mas podem passar a exportar uma quantidade igual para Gasta.

Os cidadãos de Gasta (os Gastadores) ficam maravilhados: agora podem viver as suas vidas livres de trabalhar, mas continuar a comer bem como sempre. Mas há um senão – que parece inofensivo para os Gastadores: os Poupadores querem em troca da comida que lhes sejam passadas algumas letras de dívida, denominadas em Gastões (moeda de Gasta), que os Gastadores se comprometem a pagar mais tarde.

Ao longo do tempo, os Poupadores acumulam uma grande dívida em Gastões, que na sua essência representam créditos sobre a futura produção dos Gastadores. Alguns especialistas de Gasta adivinham alguns problemas. Eles percebem que, para os Gastadores poderem ter o suficiente para comer e para pagar a dívida acumulada, será eventualmente necessário trabalhar mais de oito horas por dia. Mas os Gastadores não estão na disposição de ouvir os catastrofistas.

No entretanto, os Poupadores começam a ficar nervosos. Que valor têm as letras de dívida de uma ilha de Gastadores, de malta que não trabalha nem produz nada? E resolvem mudar o negócio: entregam a maior parte das letras de dívida aos Gastadores, recebem Gastões e usam-nos para comprar algumas terras em Gasta. Ao fim e ao cabo perdoam a dívida aos Gastadores desde que fiquem com parte dos terrenos de Gasta.

Nesta altura, os Gastadores são forçados a lidar com uma dura realidade: agora, não só têm de voltar a trabalhar oito horas por dia para comer – os Poupadores já não lhes vendem comida a troco de letras de dívida – mas também têm que trabalhar horas adicionais para pagar o deficit (pagar os juros da dívida e pagar o aluguer das terras que entretanto venderam e que agora são propriedade dos Poupadores).

Pode-se argumentar, é claro, que a dívida ao fim de contas está paga e que os juros a pagar são para pagar ao longo de muitos anos, não é preciso passar a trabalhar 16 horas por dia, bastam algumas horas mais. Mas ter havido uma geração que andou a “mamar” sem trabalhar, que vendeu as terras todas e que obriga as gerações futuras a pagar a dívida em perpetuidade e a trabalhar mais do que 8 horas por dia, é coisa que é capaz de chatear um bocado as gerações futuras. Das presentes então nem se fala.

5 comments

  1. “Das presentes então nem se fala.” Tenho a sensação que vai chatear mais as futuras que as presentes. As presentes ainda vão mamando o que resta, directa ou indirectamente.

    “…entregam a maior parte das letras de dívida aos Gastadores, recebem Gastões e usam-nos para comprar algumas terras em Gasta.”

    Antes de isto acontecer os Gastadores podem inflacionar o Gastão, para quando tiverem que pagar as letras de dívida, os Poupadores recebem um moeda tão fraca que poucas ou nenhumas terras conseguem comprar na ilha dos Gastadores. Os Gastadores passam a ter que trabalhar 8 horas (os Poupadores já não confiam nos Gastadores e já não emprestam comida) mas nao perdem terrenos.

    Outra possibilidade é fazerem default da dívida, dizendo aos Gastadores que não teem possiblidades de pagar, “pedimos desculpa mas tamos numa grande crise e não podemos pagar”. Passam a ter que trabalhar 8 horas (os Poupadores já não confiam nos Gastadores e já não emprestam comida) mas não perdem terrenos.

    • >Antes de isto acontecer os Gastadores podem inflacionar
      >o Gastão,
      >

      Imprimir Gastões queres tu dizer? Não pode ser, o Gastão é cunhado em ouro
      e as reservas de ouro de Gasta já estão completamente esgotadas :-)

      >Outra possibilidade é fazerem default da dívida, dizendo aos Gastadores que
      >não teem possiblidades de pagar
      >

      Claro. Isso só é chato porque 1) qualquer outra ilha que apareça ou barco que passe
      não vai vender a ponta de um chavelho a caloteiros; 2) a ilha de Gasta tb nunca mais
      venderá a ponta de um chavelho aos caloteiros; 3) se alguma vez vier a pensar em
      vender alguma coisa a Gasta, os Poupadores vão exigir mais dinheiro, mais juros e
      mais terrenos; ou seja, quem se lixa mais uma vez são as gerações futuras.

      — MV

  2. Laranjada Ovarense

    Em certo ponto os Gastadores vão virar-se para os Poupadores e dizer:
    O que Vocês têm é papelinho … isso não vale nada!
    E as duas ilhas vão para a guerra.
    Quem tiver a população mais jovem e o exército mais disciplinado ganha e recomeça tudo de novo.
    (Desta vez acho que os Poupadores têm a população mais jovem, em contrapartida os Gastadores têm umas FA mais evoluídas, mas se calhar menos disciplinadas e menos motivadas.)

  3. Laranjada Ovarense

    A ideia dos Import Certificates vale bem a pena uma leitura do original.

  4. Boas.

    Os Gastadores só têm de deixar de ser primitivos e descobrir outro bem de capital invejado pelos Poupadores.

    Best regards,

    @000, Nbk