16
Jun 11

Colecionadores de Cromos

(NOTA: este artigo foi publicado aqui na Exame Informática, na minha coluna de opinião Franco Atirador)

Nos meus tempos de miúdo não havia cá MTVs, nem Internet, nem 100 canais de televisão, nada. Era fazer carrinhos de rolamentos, jogar à bola, aos polícias e ladrões, roubar fruta nas quintas das redondezas… E colecionar cromos.

Embora não fosse grande maluco da coisa, também colecionei cromos. Mas havia pessoal que era mesmo obcecado com os cromos. Em particular os de futebol. Compravam as carteirinhas que podiam e que não podiam, fazia trocas altamente especializadas… Eram especialmente malucos coms os chamados “cromos difíceis”.

As redes sociais são actualmente o campo de acção dos colecionadores de cromos. Tẽm um amigo em comum com um gajo qualquer, toca de chatear o dito gajo para amizade, follow, like, etc. Encontram um tipo qualquer que viram na televisão toca de mandar um pedido de amizade no Facebook, baseado num like e num comentário tipo “altamente”. Trocaram um cartão de visita num congresso qualquer, sai um pedido de amizade no LinkedIn. É um fartar de colecionar cromos.

Recebo pedidos de “amizade” todos os dias. Amizade? Oh amigo eu nunca te vi mais gordo! Ah, falámos de raspão num congresso? Não sou teu “amigo”, nem sequer te conheço. Recuso e ignoro diariamente meia dúza de “amigos”. Só me “ligo” a pessoas que realmente conheço, com quem passei mais de uma ou duas horas. E há pessoal que se zanga. Que amua. Que se sente rejeitado. É como os colecionadores de cromos, quando era eu é que tinha o cromo difícil e não o queria trocar.

O que as pessoas parecem não perceber, tanto os que colecionam cromos nas redes sociais como os que aceitam serem cromos colecionáveis, é que quanto mais se ligam menos valor tem a rede social em causa. De facto julgam até o contrário: quanto mais ligações tiver, melhor, mais valor. Errado. Se o valor fosse maior com o número de ligações, a coisa era simples: o Facebook (ou outra rede social qualquer) ligava toda a gente a toda a gente. Valor dessa rede social? Zero.

Eu, António (faz de conta), sou amigo do Bruno e temos uma ligação de “amizade”. E o Bruno é amigo do Carlos com quem tem uma ligação. Esta rede tem valor porque a minha ligação ao Bruno permite-me chegar ao contacto com o Carlos. Mas se eu, António, estiver ligado ao Carlos directamente, sem que haja uma relação real, esta pequena rede passou a ter um valor de zero. A minha ligação ao Carlos é fictícia e a ligação do Bruno ao Carlos perdeu valor porque para chegar ao Carlos o António, supostamente, não precisa do Bruno.

Alguém se lembra da rede social que ia mudar Portugal? O Startracker? Pois é. Vale zero. Toda a gente se ligou a toda a gente. Toda a gente era “amiga” do Presidente da República. Valor final: zero. Resultado final: os utilizadores abandonaram o barco. Especialmente os colecionadores de cromos.

Quando vejo perfis no Facebook, no Twitter, no LinkedIn e outros, com coisas tipo 543 amigos, 1254 followers, 871 ligações profissionais, a minha reacção é logo: tanga. E é logo um factor de perda de credibilidade. Para mim é alguém que não reserva nem preserva as suas ligações pessoais reais, alguém que quer mostrar algo que não tem, que se quer credibilizar por uma rede de conhecimentos que, na realidade, é completamente fictícia. É o que dá colecionar cromos.

 


27
May 11

MJ II – Concursos Públicos para Profissionais

A última polémica destas eleições, a questão dos concursos públicos à medida, fez-me lembrar mais uma historieta da minha passagem pelo Ministério da Justiça…

A certa altura um dos organismos do Ministério lançou um concurso para compra de um conjunto de equipamento configurado de determinada forma. Não era nada do outro mundo, eram p’raí 10 ou 12 mil euros. Mas era o suficiente para ter de se fazer consulta pública a pelo menos 3 fornecedores.

Chega o dia de ver as propostas e deparo-me com 3 propostas quase iguais. Tipo: uma tinha um parafuso a mais e custava mais 10€, a outra tinha uns cabos piores e custava menos, etc. Para além disso fez-me alguma espécie ver 3 propostas, apresentadas por 3 distribuidores/fornecedores diferentes, com praticamente o mesmo e exacto equipamento e configuração. Do mesmo fabricante.

Fiz meia dúzia de perguntas e fiquei esclarecido…

Então parece que é frequente acontecer isto: um fabricante quer ganhar um concurso; mas não quer apresentar só uma proposta e concorrer com outros fabricantes; pega em 3 dos seus distribuidores e são eles que concorrem, com uma proposta definida pelo fabricante com pequenas alterações para cada distribuidor e pequenas alterações de preço; umas vezes ganha um dos distribuidores, outras vezes ganha outro. WIN.

Como o ITIJ tinha de aprovar todas as despesas em tecnologias e sistemas de informação, o Conselho Directivo ao qual presidia não aprovou a despesa e anulou o concurso. Ainda se deu uma descasca nos responsáveis do organismo em causa. E uma stickada nos distribuidores e fabricante: voltavam a repetir a gracinha e ia tudo recambiado para as autoridades competentes.

(Eu sou assim, um gajo afável e tolerante, dou sempre uma 2a oportunidade às pessoas. Mesmo assim, à conta desta e doutras, não consigo mesmo arranjar amigos. E ainda dizem que tenho mau feitio. É uma injustiça.)

Quanto aos concursos feitos à medida que agora estão na berlinda, só tenho a dizer uma coisa: meninos. Não sabem fazer as coisas. Os verdadeiros profissionais dos concursos são muito mais sofisticados…

 

 


13
May 11

Esoterica VI – O Bin Laden das Diskettes

A notícia de que Bin Laden usava chaves USB para enviar email fez-me lembrar uma historieta…

No início da Esoterica, algures em 93, quando ela era apenas eu e o Luis Sequeira (mais tarde juntaram-se 3 sócios do Porto que não conheciamos de lado nenhum mas que queriam revender o serviço no Porto), apenas disponibilizavamos email e Usenet news. Não tinhamos uma linha dedicada, era tudo feito por ligações modem USR a intervalos regulares, usando o protocolo UUCP. Então e websites e tal? Não era problema, ainda não existiam websites.

Com modems a 9600 bps é bom de ver que a largura de banda existente não dava para tudo: só podiamos ligar durante X minutos, não podiamos ter a linha sempre ligada (uma fortuna em períodos telefónicos); o email não era problema, a não ser que alguém se lembrasse de enviar ficheiros em attach (coisa rara na altura); o email não era problema mas as news eram, especialmente se nos pediam (e pediam) grupos como alt.binaries.pictures.erotica.* ou o alt.binaries.software.

Vai daí então montámos a nossa própria SneakerNet: trabalhávamos ambos no LNEC, um dos únicos sítios em Portugal com acesso Internet permanente; duas vezes por dia, ao almoço e depois ao jantar, fazíamos o download das mensagens dos newsgroups mais interessantes ou requisitados; gravávamos em diskettes; e depois íamos ao servidor da Esoterica colocar as mensagens disponiveis localmente. A Amazon ainda não tinha aparecido, mas estávamos muito à frente dela.

E foi assim que eu me tornei o Bin Laden das diskettes.

 


08
May 11

O que os Portugueses precisam de saber sobre a Finlândia


07
May 11

MJ I – Killer Despacho from Mars

Durante os meus 3 anos no Ministério da Justiça vi muito despacho com elaborada linguagem. Mas este que transcrevo ficou-me especialmente na memória…

“Acolhendo, por concordância, a presente informação e tudo quanto lhe está subjacente, que consubstancia o delineado plano global de informatização integral, impõem-se-me agora introduzir este projecto à superior ponderação de V. Exa.

Entre o tudo e todo o demais que tem de passar ao prudente crivo de V. Exa., ganha especial proeminência a aferição do mérito absoluto, bondade relativa, oportunidade e possibilidade efectiva do dispêndio econonómico-financeiro que ora se aponta realizar.

Coincidentemente, em razão do que pode ser a transformação decisiva que se anteolha como resultado útil de todo este esforço a empreender, não pode deixar de ser anotada para adequada avaliação neste instante inicial e preambular a susceptibilidade de a mudança – senão mesmo a sua sugestão – poder provocar incomodidade laboral, com os eventuais e consequentes movimentos.

V.Exa. melhor completará.”

Perceberam? Eu à primeira também não percebi. À segunda também não. Levei ao Hugo para ele ler e ele também não percebeu patavina. Levámos ao Rui e até ele teve alguma dificuldade…

Versão curta: “Se quer fazer a informatização integral, você é que sabe, veja lá se tem dinheiro suficiente. E prepare-se que o pessoal vai ficar chateado e ainda vêm para aí os sindicatos com protestos e o caraças. Tás sózinho.”