(NOTA: este artigo foi publicado aqui na Exame Informática, na minha coluna de opinião Franco Atirador)
Estava a escrever este artigo, que era suposto ser sobre segurança informática, quando recebo a notícia de que Steve Jobs morreu.
Morre um dos meus ídolos da juventude.
Quando comecei nestas coisas da informática, com 12 ou 13 anos, no início da década de 80, fi-lo como utilizador de um Sinclair ZX81. Não cheguei a usar o ZX80. E o ZX81 rapidamente passou a um ZX Spectrum e um Commodore 64.
Ter um Apple Lisa ou, pouco tempo depois, um Macintosh era coisa inatingível. Não só não havia em Portugal (se bem que me lembro de um Lisa numa montra no recém-aberto Centro Comercial das Amoreiras) como estava fora do alcance das bolsas de meros mortais. Acabei por usar o Mac Classic no primeiro ano de faculdade, em 86 ou 87. Também foi sol de pouca dura: o departamento não podia suportar os custos. A solução para mortais, especialmente a partir do lançamento do Windows 3.0, era a compra de um PC.
Nas duplas de fundadores da Apple e da Microsoft, sempre tive uma especial admiração por Steve Jobs, para além da admiração por Steve Wozniak. Na Microsoft nunca fui muito com a cara do Bill Gates, admirando apenas Paul Allen.
Mas para mim o Steve Jobs era algo mais. Enquanto que Wozniak e Allen eram geeks, engenheiros, tecnologistas, pessoas de bastidores, o Steve Jobs era o rebelde, o sonhador, o visionário. Adorava a forma como ele confrontava Bill Gates e dele se distinguia. Steve Jobs era e fazia questão de ser diferente.
Quando ele foi corrido da Apple, fiquei com um ódio danado à empresa. Mas quando percebi que ele ia lançar um novo computador, a NeXTStation, fiquei maluco. Em parte por ser uma workstation Unix mas principalmente por causa do preço. Mais uma vez Steve Jobs criava uma máquina de difícil acesso. Tive a sorte de no meu último ou penúltimo ano de Faculdade trabalhar em NeXTStations e de andar a pensar como poderia comprar uma. Acabei por fazê-lo anos mais tarde quando encomendei uma no Ebay. Pela mesma altura comprei também um Apple Newton. Rejubilei quando ele voltou à Apple por especial pedido: “agora é o gajo vai partir tudo”.
E partiu. Ano após ano era continuada a saída de modelos novos com inovações que outros não tinham. E partia acima de tudo o Windows da Microsoft. Os Macs começaram a se tornar mais relevantes, especialmente para a área das artes gráficas, pelo que eram gozados pelos tristes utilizadores de Windows e pelos tristes do Unix como sendo “computadores para meninas”
De facto, a empresa que tenho com a minha mulher (meninas a fazer desenhos) usa Macintosh desde 1996, praticamente coincidente com a volta de Steve Jobs à Apple. Eu devia estar mais do que ele a ranger os dentes e a dizer “agora é que vão levaar com o barrote 4×4”. E levaram. A volta de Steve Jobs à Apple despoleta uma capacidade de criação de dispositivos colossal. Aproveita o BSD Unix que já tinha usado nas NeXTStations, assim como aproveita todo o sistema de desenvolvimento, e cria computadores belos de alta qualidade mas também com alto preço.
Continuando a admirar Jobs e a torcer por ele, a atitude comercial da Apple nos últimos anos desiludiu-me. A Apple que tanto se queixou das manobras sujas da Microsoft, passou a adoptar o mesmo tipo de acções. Do alto dos seus mihões, ataca tudo e todos; às vezes até os próprios clientes.
Em todo este trajecto via o Steve Jobs como um ídolo, como um modelo. O seu discurso, a sua paragem antes de responder, o seu sorriso, eram algo com que eu simpatizava. Gostava das bocas que mandava aos concorrentes (Bill Gates e Microsoft).
Este foi o Steve Jobs que conheci. Com vontade de mudar o mundo e a capacidade para o fazer. Contra quem fosse, mesmo que tivesse de ser aos berros. O Steve Jobs que conheci tem ar de puto, com um cabelinho à Beatles. Não me quero lembrar de Steve Jobs a fazer as última confertências, fraco, combalido, magro. Gostava que as pessoas comprassem os produtos Apple porque apreciam os mesmos e não porque querem estar na moda. Gostava que as pessoas reconhecessem o génio e o homem e não quantos biliões vendeu. Infelizmente isso não é possivel.
Dizem-me dali do lado que a Apple se vai manter na mesma. Duvido. Por uns meses ou um par de anos, talvez, à força dos fumos de Jobs. Mas a Apple sem Jobs é como a Microsoft sem Gates (e pior, com o MonkeyBoy Ballmer)
Mas aqui, não é a empresa que conta. O que conta é que Steve Jobs deixou um legado computacional mas também um raro legado humano. A diferença que um único individuo pode fazer numa organização. A rara capacidade de cair e se levantar outra vez. De desculpar os ex-colegas que o tinham afastado da empresa. A capacidade de liderança mesmo sendo exigente e muitas vezes agressivo.
Alguns não perceberão este meu artigo. Mas esses não viram o Steve Jobs original a criar sonhos e mudanças mesmo em frente aos nossos olhos. Apenas viram um Steve Jobs cansado a apresentar mais um resma de dispositivos ou features de equipamento Apple.
O meu Steve Jobs era melhor.
onde está confertências suponho que seja conferências.
Pois sem dúvida que Steve Jobs foi determinante para uma maneira diferente de olhar para o hardware/software. Agoro só me escapa como é que do dia para a noite existem legiões de fãs que ainda ontem se queixavam das práticas monopolistas da Microsoft e que não conseguem reconhecer que a Apple é muito pior (controlo fanático da cadeia de valor desde a produção de hardware à distribuição de apps, sdks proprietários, utilização massiva de código Unix BSD sem qualquer tipo de retribuição para a comunidade, etc, etc).
Se foi esta a visão de Steve Jobs para a Apple, uma empresa genial, mas monopolista, paranóica e com tiques fascistas lamento. pode ser o idolo do mundo inteiro, mas meu não é.