(NOTA: este artigo foi publicado aqui na Exame Informática, na minha coluna de opinião Franco Atirador)
Nos meus tempos de miúdo não havia cá MTVs, nem Internet, nem 100 canais de televisão, nada. Era fazer carrinhos de rolamentos, jogar à bola, aos polícias e ladrões, roubar fruta nas quintas das redondezas… E colecionar cromos.
Embora não fosse grande maluco da coisa, também colecionei cromos. Mas havia pessoal que era mesmo obcecado com os cromos. Em particular os de futebol. Compravam as carteirinhas que podiam e que não podiam, fazia trocas altamente especializadas… Eram especialmente malucos coms os chamados “cromos difíceis”.
As redes sociais são actualmente o campo de acção dos colecionadores de cromos. Tẽm um amigo em comum com um gajo qualquer, toca de chatear o dito gajo para amizade, follow, like, etc. Encontram um tipo qualquer que viram na televisão toca de mandar um pedido de amizade no Facebook, baseado num like e num comentário tipo “altamente”. Trocaram um cartão de visita num congresso qualquer, sai um pedido de amizade no LinkedIn. É um fartar de colecionar cromos.
Recebo pedidos de “amizade” todos os dias. Amizade? Oh amigo eu nunca te vi mais gordo! Ah, falámos de raspão num congresso? Não sou teu “amigo”, nem sequer te conheço. Recuso e ignoro diariamente meia dúza de “amigos”. Só me “ligo” a pessoas que realmente conheço, com quem passei mais de uma ou duas horas. E há pessoal que se zanga. Que amua. Que se sente rejeitado. É como os colecionadores de cromos, quando era eu é que tinha o cromo difícil e não o queria trocar.
O que as pessoas parecem não perceber, tanto os que colecionam cromos nas redes sociais como os que aceitam serem cromos colecionáveis, é que quanto mais se ligam menos valor tem a rede social em causa. De facto julgam até o contrário: quanto mais ligações tiver, melhor, mais valor. Errado. Se o valor fosse maior com o número de ligações, a coisa era simples: o Facebook (ou outra rede social qualquer) ligava toda a gente a toda a gente. Valor dessa rede social? Zero.
Eu, António (faz de conta), sou amigo do Bruno e temos uma ligação de “amizade”. E o Bruno é amigo do Carlos com quem tem uma ligação. Esta rede tem valor porque a minha ligação ao Bruno permite-me chegar ao contacto com o Carlos. Mas se eu, António, estiver ligado ao Carlos directamente, sem que haja uma relação real, esta pequena rede passou a ter um valor de zero. A minha ligação ao Carlos é fictícia e a ligação do Bruno ao Carlos perdeu valor porque para chegar ao Carlos o António, supostamente, não precisa do Bruno.
Alguém se lembra da rede social que ia mudar Portugal? O Startracker? Pois é. Vale zero. Toda a gente se ligou a toda a gente. Toda a gente era “amiga” do Presidente da República. Valor final: zero. Resultado final: os utilizadores abandonaram o barco. Especialmente os colecionadores de cromos.
Quando vejo perfis no Facebook, no Twitter, no LinkedIn e outros, com coisas tipo 543 amigos, 1254 followers, 871 ligações profissionais, a minha reacção é logo: tanga. E é logo um factor de perda de credibilidade. Para mim é alguém que não reserva nem preserva as suas ligações pessoais reais, alguém que quer mostrar algo que não tem, que se quer credibilizar por uma rede de conhecimentos que, na realidade, é completamente fictícia. É o que dá colecionar cromos.