A Ilusao do Voto Electronico

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From: mfvale…@gmail.com (Mario Valente)
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Subject: A Ilusao do Voto Electronico
Date: Fri, 05 Jun 09 00:19:21 GMT

Em vesperas de eleicoes, para alem da farsa habitual dos partidos de
esquerda (ou seja, todos; todos tem aquela coisa do “social” no nome),
aparece sempre a historia do voto electronico.

Talvez seja porque alguns pretensiosos digerati querem mostrar parolamente
que sao pra frentex (“inovacao! a tecnologia e vai criar postos de trabalho
e riqueza!”); talvez seja porque alguns vendedores de banha da cobra
(leia-se: empresas de consultoria e/ou de integracao de sistemas) querem
empanzinar ferro e estagiarios a custa do erario publico; talvez seja
porque alguns organismos publicos tem receio de assumir a sua autoridade
e de passar por forcas de bloqueio; ou talvez seja porque os politicos,
sempre na mira de espaco na comunicacao social, tambem parolamente querem
adoptar a ultima moda quando nem sequer conseguem usar o telemovel para alem
da tecla verde ou nem sequer conseguem programar o video la em casa.

Ou talvez seja tudo isto junto….

O facto e que, de ha uns anos para ca, o assunto e recorrente.

Ate se fizeram alguns testes e experiencias piloto as quais ninguem
ligou nenhuma, deram problemas e no fim foi so fogo de vista…

Aqui ha uns meses, numa troca de impressoes no Twitter (sim, usei
durante 2 anos e cheguei a conclusao que nao tem valor duradouro),
prometi que um dia, com tempo, escrevia um post sobre o assunto. Hoje
(ontem), um artigo do Paulo Querido http://is.gd/OBz0 relembrou-me
essa promessa. E uma vez que estamos em periodo eleitoral, ca vai…

A utilizacao de qualquer tecnologia deve ser posterior a uma pergunta
muito simples: que problema e que quero resolver? Conforme o problema,
assim a tecnologia. Pregar pregos? Martelo. Aparafusar parafusos? Chave
de fendas. Matar uma mosca? Bomba nuclear. Esta ultima nao colhe…

Que problema(s) se pretendem resolver com a utilizacao de um sistema de
voto electronico? Ocorrem como mais obvios os seguintes:

1 – identificacao mais precisa dos eleitores
2 – maior rapidez no processo de voto
3 – deslocalizacao/mobilidade do processo de voto
4 – acesso ao processo de voto por cidadaos invisuais, acamados, etc
5 – acesso ao processo de voto por cidadaos emigrados
6 – maior rapidez no processo de contagem de votos

Sera que para resolver cada um destes problemas e mesmo necessario
a utilizacao do voto electronico? Note-se que nao estou a dizer que
o processo eleitoral nao possa ser melhorado e suportado com a ajuda
de sistemas e tecnologias de informacao. O que ponho em causa e a
necessidade de um sistema de voto electronico em que o momento da
escolha e feito por via electronica e necessariamente registado em
base de dados centralizada.

Vamos entao aos problemas, a necessidade (ou nao) do voto electronico
e a formas alternativas de resolver os mesmos…

1) E um facto que o ainda usado cartao de eleitor e, digamos,
ridiculo. E ainda mais facil de falsificar do que o antigo BI
(ie. pre Cartao de Cidadao) e ainda mais facil de obter (tenho
uma vaga lembranca de ter de levar uma factura a junta de
freguesia mas, como essa factura nao existia uma vez que tinha
acabado de mudar de casa, a senhora reconheceu-me como morador
la do sitio apesar de nunca me ter visto mais gordo).

O problema poderia ser resolvido, na sua vertente de identificao,
com o uso do Bilhete de Identidade. Mas isso nao resolvia o problema
da area de voto do eleitor. Foi alias por essa razao que o Cartao de
Eleitor foi criado e que no momento do voto e necessario levar o
BI e o Cartao de Eleitor: o primeiro identifica o eleitor e o segundo
identifica a area em que pode votar (ou dito de outra forma, garante
que aquele eleitor pode votar naquela mesa, respeitante a freguesia em
causa.

O voto electronico (ie. o registo por forma electronica da escolha
feita pelo eleitor) resolve este problema? Nao resolve. A escolha
do eleitor nao tem nada a ver com a identificacao e validacao do
mesmo.

Para resolver este problema (identificacao precisa em termos de
identidade e em termos de localidade) bastam duas coisas: 1) o uso
do Cartao de Cidadao; 2) a informatizacao dos cadernos eleitorais.

Parece-me que nao e preciso argumentar a favor do CC como forma de
identificacao. E a forma de identificao mais segura que o Estado
portugues alguma vez teve. Impossivel de falsificar, impossivel de
obter 2as vias e assumir identidades, certificado digital para
garantir inviolabilidade e confidencialidade… E por isso o meio
ideal para garantir a identidade.

Adicionalmente o Cartao de Cidadao serve tambem como forma de
garantir a area de voto. O Cartao tem a informacao da morada, pelo
que essa informacao pode ser usada para validar que o eleitor
esta a votar na mesa e no circulo correcto. Mesmo que nao existisse
a informacao da morada (ou que a mesma estivesse desactulizada por
mudanca de residencia por exemplo), a simples informatizacao dos
cadernos eleitorais permitiria fazer essa validacao: o eleitor
chegava a mesa de voto, inseria o Cartao de Cidadao num leitor e
era validado como cidadao/eleitor por via da validacao do proprio
Cartao (talvez ate com o uso de leitores de impressoes digitais)
assim como era validado como residente por via da consulta a mesma
base de dados. Note-se que este metodo resolvia tambem o problema
numero 3 (deslocalizacao e mobilidade): se o eleitor se deslocasse
a uma mesa de voto que nao fosse da sua area de residencia, atraves
da consulta era facil garantir a contagem desse voto na area certa.

2) Nao se pode dizer que o processo de voto em si seja lento. Ja
foi bastante pior. Quando as pessoas votavam em massa e havia
pouca abstencao, as filas eram enormes e demorava-se horas. Das
ultimas vezes que votei, o processo foi expedito e nao demorou
mais do que alguns minutos.

De qualquer forma e certo que muito do tempo gasto no processo
se deve a parte do “pede o BI, pede o cartao, verifica os cadernos
eleitorais a unha”. O voto electronico (registo electronica da
escolha) resolve este problema? Nao resolve. Mais uma vez o
problema na demora no processo de identificao deve-se ao facto
de os cadernos eleitorais nao estarem informatizados e ligados
a um unico elemento de identificacao. Ou seja, a aceleracao do
processo de voto poderia ser resolvida pura e simplesmente com a
informatizacao dos cadernos eleitorais.

3) Como ja foi referido no ponto 1, o uso do Cartao de Cidadao em
conjunto com a informatizacao dos cadernos eleitorais seria o
suficiente para permitir a deslocalizacao/mobilidade do eleitor
e do local de voto. Qualquer mesa de voto poderia identificar o
eleitor por via da consulta a base de dados do Cartao de Cidadao
(em qualquer ponto do pais) e poderia tambem identificar o local
de voto do eleitor, o circulo eleitoral para o qual deveria ser
contado aquele voto; isto seria feito por consulta aos cadernos
eleitorais informatizados. O obice aqui seria: como garantir que
o voto seria contado no circulo eleitoral correcto, isto sem
fazer o registo do voto e a escolha feita em sistema electronico?

Existem varias maneiras de resolver este problema. Uma bastante
simples, com utilidade para outros fins (vide mais abaixo), seria
a impressao no momento do boletim de voto em branco, mas contendo
um codigo de barras referente ao circulo eleitoral. A leitura
posterior desse codigo de barras na altura da contagem garantia a
contagem de qualquer voto no circulo eleitoral correcto.

Adicionalmente, esta impressao localmente e no momento permitiria
acabar com o envolvido processo de impressao e distribuicao para
todo o pais dos boletins de voto que, mesmo assim, muitas vezes
sao a mais (e ficam alguns “disponiveis”) e algumas vezes sao a
menos. Isto acontece devido a nao se conhecer precisamente o numero
real de eleitores de um qualquer circulo, o que ficaria resolvido,
mais uma vez, com a informatizacao dos cadernos eleitorais.

4,5) Este dois problemas sao provavelmente aqueles em que se justificaria
mais o uso do voto do voto electronico. No entanto nao me parece
que o tradeoff (ie. o registo do sentido de voto destes cidadaos,
com tudo o que isso implica) valha a pena ser feito. Mais uma vez
existem solucoes alternativas para resolver o problema.

Actualmente estes 2 problemas sao resolvidos da seguinte forma: os
eleitores em causa, se nao tiverem uma mesa local, podem fazer o seu
voto por correspondencia. Num envelope colocam o seu boletim de voto
preenchido; esse envelope e colocado dentro de outro, junto com a
identificacao; este ultimo envelope e enviado por via postal e e
validada a identificacao do eleitor abrindo o primeiro envelope sendo
depois o segundo aberto posteriormente e adicionado e contado junto
com todos os outros.

Este processo poderia ser replicado por via electronica, sem que
houvesse a necessidade de usar o voto electronico e assim de registar
a escolha feita pelo eleitor. Muito provavelmente online (ou com uma
aplicacao local), o eleitor fazia a sua escolhe e encriptava o bloco
de dados contendo o boletim de voto virtual com chave publica da
entidade responsavel pelo processo eleitoral. De seguida encriptava
esse bloco com a sua chave privada. Um qualquer organismo responsavel
pela parte da identificacao descriptava o primeiro “envelope” usando
a chave publica do cidadao, passando de seguida o segundo “envelope”
a entidade responsavel pela contagem dos votos, sendo que esta seria
a unica que podia descriptar o conteudo do mesmo por via da utilizacao
da sua chave privada.

Note-se que nao ficava registado em nenhuma base de dados qual o
voto especifico de um cidadao especifico.

6) E evidente que o registo do voto no momento da escolha e o seu
armazenamento imediato numa base de dados central permitiria ter
um processo de contagem e divulgacao de resultados extremamente
rapido. Mas mais uma vez se questiona se o tradeoff de ter que
registar o sentido de voto de todos os cidadaos se justifica. Para
alem de estar em causa o segredo da escolha, existiriam sempre
duvidas sobre a inviolabilidade, integridade ou falseamento desses
dados. Se calhar sei como ninguem que existem tecnologias que podem
resolver o problema. Mas o problema fundamental nao e tecnologico,
e social. Nao conhecendo as tecnologias, o cidadao comum desconfia.
E um problema maior do que a desconfianca natural do cidadao, seria
a “desconfianca” das oposicoes e/ou dos meios de comunicacao social.

Mas pergunta-se: e mesmo preciso acelerar esse processo de contagem?
Nos ultimos 3 processos eleitorais a contagem estava fechada cerca
de 2 horas e meia depois do fecho das urnas. So se justificaria um
processo mais rapido por parte das televisoes, que assim podiam
apresentar os resultados ainda durante os jornais das 8.

E mais: e mesmo preciso o voto electronico (repete-se: o registo do
sentido de escolha de cada voto) para acelerar este processo? Mais
uma vez a impressao no momento do boletim de voto e a sua posterior
leitura por meios opticos (scan laser) aceleraria bastante o processo,
ficando no entanto garantidas a confidencialidade do voto e o chamado
paper trail, sendo possivel a recontagem fisica de votos em caso de
duvidas sobre os resultados.

Em suma, nao me parece que Portugal precise de um sistema de voto
electronico para alguma coisa. Nao temos dimensao geografica e/ou
populacional que justifique os custos e as concessoes que tal sistema
implicaria. Sera algo importante para paises como os Estados Unidos,
o Brasil ou a India. No nosso caso nao se justifica…
Note-se que a Irlanda, muito semelhante a Portugal, desistiu do voto
electronico e voltou ao sistema normal de votacao…

Quais as condicoes sine qua non para implementar um sistema de votacao
mais fiavel e expedito quanto baste? Vide acima: o uso disseminado do
Cartao do Cidadao, a informatizacao dos cadernos eleitorais e a utilizacao
de tecnologias para a impressao e contagem dos votos em papel.

Em conjunto estas tecnologias permitiriam a contagem certa, dos votos
certos, nos circulos eleitorais certos. E aqui e que a porca torce o
rabo: nao existe muito interesse em que se saiba de forma precisa que
eleitores e que votam em que circulos. A informatizacao dos cadernos
eleitorais e o uso do Cartao de Cidadao iriam impedir a contagem de
muita gente, que ja morreu ou que mudou de freguesia, como eleitores de
facto. Nao se pretende insinuar que isso seja utilizado para proceder
ao falseamento de votos ou a fraudes eleitorais. Mas pretende-se dizer
claramente que a contagem *real* do numero de eleitores em cada circulo
poderia alterar o panorama eleitoral em alguns circulos. Assim como
poderia alterar as verbas e subsidios concedidos as autarquias, valores
esses que dependem do numero de habitantes/eleitores registados.

Felizmente todos estes processos estao em curso. O Cartao de Cidadao
ja esta em todos os distritos; os cadernos eleitorais estao a ser
informatizados; a comunicacao electronica dos obitos e consequente baixa
dos registos do eleitor na base de dados do CC e nos cadernos eleitorais
permitirao ter processos eleitorais mais fiaveis e mais expeditos.
A nao ser que essas mudancas nao calhem em caminho a alguem….

— MV

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