Justiça sem Ministério da Justiça

Uma solução simples para acabar com os problemas da Justiça: acabar com o Ministério da Justiça.

Melhor dizendo: a forma de alterar a percepção e atribuição de problemas na Justiça em Portugal é acabar com o Ministério da Justiça.

Em Portugal, os cidadãos têm uma ideia errada do que é a Justiça. Em primeiro lugar porque acham que as responsabilidades na Justiça são apenas do Ministério da Justiça, e portanto atribuem ao Ministério a responsabilidade de todo e qualquer problema. Em segundo lugar porque acham que o Ministério da Justiça se resume às coisas dos Tribunais, sem perceber que o mesmo Ministério tem muito mais atribuições, aonde faz o seu trabalho, moderniza e faz mudanças para beneficio dos cidadãos.

O Ministério da Justiça é mais do que as coisas da Justiça dos Tribunais. Esses assuntos são tratados pela Direcção Geral da Administração da Justiça (DGAJ) a quem compete a gestão dos tribunais e a gestão do pessoal dos tribunais (exceptuando juízes e magistrados). Mas isso é cerca de metade das responsabilidades do Ministério da Justiça. A outra metade são as actividades e responsabilidades do Instituto de Registos e Notariado, a quem compete a gestão das conservatórias (civis, prediais, automóvel e comerciais), onde nos últimos anos se fizeram reformas relevantes (Empresa na Hora, Documento Unico Automovel, etc). O facto de essas reformas terem sido feitas tem a ver com a responsabilidade e autoridade do Ministério da Justiça. Que existe no caso dos Registos e Notariado, mas não existe no caso dos tribunais: nesse caso a responsabilidade é partilhada com o juízes e magistrados.

E é daqui que decorre a ideia errada referida em primeiro lugar: o cidadão acha que o Ministério da Justiça é a Justiça e acha que do Ministério da Justiça é de onde vêm todos os problemas e é de onde deveriam vir todas as soluções. O cidadão esquece-se que, num Estado de Direito, o sistema judicial (tribunais, juizes, magistrados, etc) é completamente independente do poder executivo (o Governo) e que portanto pode (e muito bem), colocar entraves à actuação do Ministério da Justiça.

Mas então, para evitar esses entraves, para garantir que o cidadão perceba que a Justiça não é o Ministério da Justiça e para se poder atribuir adequadamente as responsabilidades por qualquer problema que exista na Justiça, o melhor é acabar com o Ministério da Justiça. Isto já para não falar que essa é a forma de verdadeiramente estabelecer um Estado de Direito e a independência do poder judicial face ao poder executivo.

Isto não seria novidade nenhuma: em vários países da Europa não existe Ministério da Justiça.

As responsabilidades da DGAJ passariam a ser tuteladas pelo poder judicial (Supremo Tribunal de Justiça, Conselho Superior da Magistratura, Procuradoria Geral da República, etc). Nesse âmbito passaria a ser o poder judicial a ter responsabilidades sobre a gestão dos tribunais assim como sobre o pessoal que trabalha nos mesmos (oficiais de justiça). Também a Polícia Judiciária deveria ser tutelada apenas pelo poder judicial. As responsabilidades do IRN (com excepção do registo civil) passariam a ser atribuidas ao Ministério da Economia (empresas, prédios e carros têm mais a ver com Economia do que com Justiça). O registo civil (os BIs, Cartões do Cidadão, nascimentos, mortes, etc) passaria a ser responsabilidade do Ministério da Administração Interna, assim como as atribuições da Direcção Geral de Serviços Prisionais (ao fim e ao cabo são polícias). Outros serviços do Ministério da Justiça são também perfeitamente atribuíveis a outros Ministérios. A título de exemplo: o Instituto de Reinserção Social faria todo o sentido que fosse tutelado pelo Ministério da Segurança Social; o Instituto Nacional de Medicina Legal faria todo o sentido que fosse tutelado pelo Ministério da Saúde.

E pronto, problema resolvido. O Estado transferia verbas para o sistema judicial como faz para as autarquias. O sistema judicial era verdadeiramente independente, como manda um Estado de Direito. Juízes e magistrados passavam a poder gerir os tribunais e o pessoal como bem entendessem. E o cidadão passava a poder atribuir a responsabilidade de qualquer problema na Justiça (a lentidão por exemplo) sem ter o bode expiatório do Ministério da Justiça que neste momento vê todo e qualquer trabalho de qualidade remetido para o esquecimento apenas pela existência de problemas que muitas vezes não cria e sobre os quais não pode fazer (quase) nada.

E se calhar o cidadão começava também a perguntar-se qual a legitimidade democrática do sistema judicial, onde é que os cidadãos são tidos ou achados para escolher quem são os juízes e como chegam a cargos de relevância (nos EUA são eleitos). Ou a perguntar-se se faz sentido ter no mesmo tribunal, no mesmo edifício, juízes que julgam e magistrados que acusam, e se não faria mais sentido que o *Ministério* Público fosse…. um Ministério. Pelo menos garantia-se que o número de Ministérios se mantinha, o que é sempre uma coisa importante. Acho.

6 comments

  1. Alguma razão especial para a Polícia Judiciária não ser tutelada pelo Ministério da Administração Interna?

    Ao fim e ao cabo é uma polícia, tal como o exemplo que deste com a Direcção Geral de Serviços Prisionais…
    Além disso, IMHO, as sinergias geradas, com todas as polícias a serem tuteladas por um único ministério traria bastantes vantagens do ponto de vista económico e mesmo uma maior articulação das varias forças de segurança.

    • Sim, é um ponto válido. Mas que iria contra a separação de poderes: colocava-se a possibilidade de o poder executivo (o Governo, o Ministério) influenciar as investigações do poder judicial (da PJ, neste caso). Especialmente quando elas incidissem sobre o próprio poder executivo.

      Da mesma forma sou da opinião que a GNR devia sair da tutela do MAI e ser tutelada directamente pela Assembleia da República. Asssim cada um dos 3 poderes de um Estado de Direito teria a usa própria polícia, para garantir a sua independência e ter meios para contrabalançar o poder dos outros poderes.

      — MV

  2. concordo com a PJ no MAI.
    discordo com a extinsão do MJ. O grande exemplo ingles de não existencia de MJ ruiu há cinco anos, quando o RU e aproximou do Continente. Hoje o MJ do RU é semelhante aos dos países continentais.
    Qaunto aos serviços de reinsrção serem tutelados pela SS, é algo tão absurdo como como a PSP ser tutelada pelo MJ.
    Por que carga de água é que um serviço de execução de penas gravitaria na órbita da SS? a DGRS é eminentemente um serviço de Justiça aliás como o INML.
    Seria útil não ficar pela leitura superficial das designações e conhecer as competencias e objectivos dos serviços.
    cumprimentos
    nc

  3. p.s. – ah, é verdade: e a DGSP é uma polícia? credo! vocês têm mesmo que rever a percepção que têm do que são os serviços judiciários e das razões porque são judiciários. esta coisa de mandar para o ar uns bitates com base numa impressão momentânea dá disparate certo. meus amigos: sugiroum pouco de estudo ou, ao menos, pesquisa na net (ler as leis orgÂnicas) para entenderem que os serviços de justiça tÊm uma especificadade que não dá para transferir para terceiros.
    já viram quão caro seria distorcer as sinergias próprias da Justiça pela transferÊncia para outro sector? uau!

  4. É raro encontrar opiniões que advoguem uma reformulação de fundo da justiça em Portugal. Oxalá estas ideias tenham espaço para serem debatidas com honestidade intelectual na nossa sociedade e com interesse genuinamente reformista do poder politico.